* Luiz Henrique Dias da Silva
Com um crescimento urbano descontrolado após a segunda metade do século passado, o Brasil se tornou um país prioritariamente urbano. Segundo o IBGE, 82% da população brasileira habitam as cidades e, segundo dados oficiais, uma considerável parcela desta massa humana sobrevive em condições insuficientes de saneamento básico e sem acesso (ou acesso precário) aos serviços urbanos, inclusive os básicos. Este quadro age como um catalisador aos processos de degradação social como as epidemias, a violência e a ampliação do individualismo social sobre o caráter comunitário da vida em sociedade.
O Estatuto das Cidades (lei federal 10.257/201) estabeleceu, por definitivo, a função social das cidades no Brasil. Esta lei fornece aos governos municipais mecanismos para gerenciar e combater a especulação imobiliária, o uso indevido do espaço urbano e o desrespeito aos direitos básicos do cidadão. Em seu artigo segundo, o Estatuto deixa claro seu caráter de inclusão urbana ao apresentar em seu primeiro parágrafo a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”, completando no parágrafo quinto com “oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais”.
Atuar na melhoria das cidades deve ser um trabalho gradual e constante, uma vez que os problemas inerentes as cidades brasileiras são numerosos e ocorrem em diferentes graus, de acordo com a cidade ou região do país. Pela amplitude do tema, irá se ater, nesta exposição, na questão transporte público. Cabe lembrar, no entanto, que tal tema requer uma discussão mais aprofundada. Este trabalho visa apenas iniciar um debate sobre as condições do transporte de massa em nossas cidades. O tema envolve, também, questões mais complexas como o papel do poder público na gestão e fiscalização dos prestadores deste tipo de serviço e as formas de concessão de benefícios financeiros às empresas, usuários e cidadãos que, de alguma forma, tenham dificuldade de acessar os meios de transporte, seja por necessidade especial ou mesmo por questões financeiras. Tais discussões devem ser temas de outros estudos futuros.
Discute-se aqui, no entanto, o caso das cidades brasileiras que não possuem transporte público operado por empresas públicas, ou seja, aquelas cidades onde a iniciativa privada, através de concessão pública (ou não), opera o sistema de transporte de passageiros. Nestes casos, o cumprimento do Estatuto da Cidade passa por uma fiscalização por parte do poder público (real responsável) e da comunidade (usuário e beneficiário), que atenda os interesses sociais da cidade acima dos interesses privados, sem abrir mão da premissa que os empresários visam o lucro e estando o poder público isento da prestação do serviço (e nunca da fiscalização), deve-se atender a demanda do citado lucro do ou, caso este não seja desejado pelo poder público ou pela população, a completa estatização do sistema, o que permitiria a gestão social do serviço.
Havendo, portanto, a presença de empresas de caráter privado, discute-se a remuneração que tais empresas devem receber pelo serviço prestado sem, no entanto, onerar demais o custo de vida do usuário. Deve-se procurar um ponto de equilíbrio entre interesse social (público) e privado, através de um estudo detalhado da relação do quilometro percorrido e passageiro transportado com os custos para prestação de tal serviço com qualidade e respeito à cidadania.
No modelo de remuneração “por giro da roleta” ou “por passageiro”, as empresas investem recursos e esforços em linhas que transportam o maior número de pessoas, praticamente abandonando as linhas (e as rotas) com menor demanda. Isto pode ocasionar fenômenos comuns na gestão dos itinerários como diminuição do número de linhas e de veículos nas ruas, aumento no tempo de espera e de viagem e utilização de carros mais depreciados. ]
Neste sistema de remuneração, o direito ao transporte não é igual para todos os cidadãos, uma vez que os usuários de linhas mais densamente utilizadas contarão com um serviço melhor, pagando o mesmo valor dos usuários de linhas de baixa densidade de uso.
Uma forma recomendável de se remunerar as empresas é o chamado modelo do “quilômetro rodado”, como o utilizado em grandes cidades como São Paulo e Curitiba. O modelo considera a distância percorrida pelo veículo, considerando o mínimo e o máximo de passageiros a serem transportados (a fim de se planejar o tráfego), para calcular o valor a ser pago à empresa prestadora do serviço. Este modelo, ao contrário do modelo convencional (utilizado na maioria das cidades brasileiras) favorece a melhoria dos serviços prestados e diminui a quirela entre empresas do setor pelas chamadas “linhas lucrativas”.
Neste modelo, a empresa repassa todo o dinheiro arrecadado para o poder público que irá gerir o recurso como lhe couber e passar à empresa os valores, estabelecidos em contrato, da distância percorrida pelos veículos. Assim, não existe distinção de linhas e as empresas não se vêem obrigadas a encherem seus ônibus para obter mais lucro. O poder público pode, desta maneira, garantir uma qualidade uniforme em todo o sistema, utilizando o maior ganho em linhas de pequena distância (moradores de regiões centrais, em geral com maior renda) para subsidiar as linhas de longa distância (moradores de periferias, zonas rurais e regiões metropolitanas), redistribuindo renda, padronizando o serviço e tendo argumento para exigir ações das empresas que prestam o serviço.
O empresário do transporte coletivo da cidade de Curitiba, no Paraná, Dante Gulin, proprietário da empresa Glória, fala em seu artigo Transporte Coletivo em Curitiba que “(...) o modelo de transporte coletivo de Curitiba é, desde 1987, composto pela gerenciadora, URBS, e pelas operadoras, empresas. Cabe a gerenciadora, URBS, o planejamento do transporte e a remuneração para as empresas que é feito, exclusivamente, por quilômetro rodado. As operadores, empresas, cabe a responsabilidade de repassar diariamente à URBS, integralmente, os valores arrecadados com as tarifas, e operacionalizar o sistema. Entende-se como operacionalizar o sistema, a contratação, remuneração e treinamento de funcionários, compra e manutenção de veículos, e arcar com todas as responsabilidades operacionais, ações trabalhistas, ações cíveis, financiamentos, responsabilidade social, impostos e taxas. (...) O modelo de transporte coletivo de Curitiba é admirado e respeitado no Brasil e fora dele, isto se torna evidente através de inúmeras visitas que as empresas recebem de empresários, órgãos gestores e jornalistas objetivando entender e copiar o sistema de Curitiba. Este sucesso é reconhecido como fruto do trabalho das administrações de Curitiba”.
Ainda, no modelo citado, as rotas são estabelecidas conforme interesse social (e não comercial) e coloca-se um ponto final na eterna discussão sobre o preço da passagem e as concessões que as empresas devem fazer aos estudantes, idosos, portadores de necessidades especiais e outros usuários que recebem benefícios na forma de transporte. Além disso, as empresas podem estabelecer um melhor equilíbrio financeiro, uma vez que os valores recebidos podem ser pré dimensionados, independente do período do ano e do andamento da economia, não havendo, assim, flutuação na arrecadação dos prestadores de serviços.
Considera-se, portanto, o modelo de remuneração por quilômetro rodado como sendo o mais adequado à implementação do Estatuto da Cidade em municípios onde empresas privadas operam o sistema de transporte uma vez que permite maior controle do poder público sobre a qualidade dos serviços prestados, garantindo aos seus cidadãos o direito que é constitucionalmente garantido a todos: o direito ao transporte público acessível e de qualidade.
O Estatuto das Cidades (lei federal 10.257/201) estabeleceu, por definitivo, a função social das cidades no Brasil. Esta lei fornece aos governos municipais mecanismos para gerenciar e combater a especulação imobiliária, o uso indevido do espaço urbano e o desrespeito aos direitos básicos do cidadão. Em seu artigo segundo, o Estatuto deixa claro seu caráter de inclusão urbana ao apresentar em seu primeiro parágrafo a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”, completando no parágrafo quinto com “oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais”.
Atuar na melhoria das cidades deve ser um trabalho gradual e constante, uma vez que os problemas inerentes as cidades brasileiras são numerosos e ocorrem em diferentes graus, de acordo com a cidade ou região do país. Pela amplitude do tema, irá se ater, nesta exposição, na questão transporte público. Cabe lembrar, no entanto, que tal tema requer uma discussão mais aprofundada. Este trabalho visa apenas iniciar um debate sobre as condições do transporte de massa em nossas cidades. O tema envolve, também, questões mais complexas como o papel do poder público na gestão e fiscalização dos prestadores deste tipo de serviço e as formas de concessão de benefícios financeiros às empresas, usuários e cidadãos que, de alguma forma, tenham dificuldade de acessar os meios de transporte, seja por necessidade especial ou mesmo por questões financeiras. Tais discussões devem ser temas de outros estudos futuros.
Discute-se aqui, no entanto, o caso das cidades brasileiras que não possuem transporte público operado por empresas públicas, ou seja, aquelas cidades onde a iniciativa privada, através de concessão pública (ou não), opera o sistema de transporte de passageiros. Nestes casos, o cumprimento do Estatuto da Cidade passa por uma fiscalização por parte do poder público (real responsável) e da comunidade (usuário e beneficiário), que atenda os interesses sociais da cidade acima dos interesses privados, sem abrir mão da premissa que os empresários visam o lucro e estando o poder público isento da prestação do serviço (e nunca da fiscalização), deve-se atender a demanda do citado lucro do ou, caso este não seja desejado pelo poder público ou pela população, a completa estatização do sistema, o que permitiria a gestão social do serviço.
Havendo, portanto, a presença de empresas de caráter privado, discute-se a remuneração que tais empresas devem receber pelo serviço prestado sem, no entanto, onerar demais o custo de vida do usuário. Deve-se procurar um ponto de equilíbrio entre interesse social (público) e privado, através de um estudo detalhado da relação do quilometro percorrido e passageiro transportado com os custos para prestação de tal serviço com qualidade e respeito à cidadania.
No modelo de remuneração “por giro da roleta” ou “por passageiro”, as empresas investem recursos e esforços em linhas que transportam o maior número de pessoas, praticamente abandonando as linhas (e as rotas) com menor demanda. Isto pode ocasionar fenômenos comuns na gestão dos itinerários como diminuição do número de linhas e de veículos nas ruas, aumento no tempo de espera e de viagem e utilização de carros mais depreciados. ]
Neste sistema de remuneração, o direito ao transporte não é igual para todos os cidadãos, uma vez que os usuários de linhas mais densamente utilizadas contarão com um serviço melhor, pagando o mesmo valor dos usuários de linhas de baixa densidade de uso.
Uma forma recomendável de se remunerar as empresas é o chamado modelo do “quilômetro rodado”, como o utilizado em grandes cidades como São Paulo e Curitiba. O modelo considera a distância percorrida pelo veículo, considerando o mínimo e o máximo de passageiros a serem transportados (a fim de se planejar o tráfego), para calcular o valor a ser pago à empresa prestadora do serviço. Este modelo, ao contrário do modelo convencional (utilizado na maioria das cidades brasileiras) favorece a melhoria dos serviços prestados e diminui a quirela entre empresas do setor pelas chamadas “linhas lucrativas”.
Neste modelo, a empresa repassa todo o dinheiro arrecadado para o poder público que irá gerir o recurso como lhe couber e passar à empresa os valores, estabelecidos em contrato, da distância percorrida pelos veículos. Assim, não existe distinção de linhas e as empresas não se vêem obrigadas a encherem seus ônibus para obter mais lucro. O poder público pode, desta maneira, garantir uma qualidade uniforme em todo o sistema, utilizando o maior ganho em linhas de pequena distância (moradores de regiões centrais, em geral com maior renda) para subsidiar as linhas de longa distância (moradores de periferias, zonas rurais e regiões metropolitanas), redistribuindo renda, padronizando o serviço e tendo argumento para exigir ações das empresas que prestam o serviço.
O empresário do transporte coletivo da cidade de Curitiba, no Paraná, Dante Gulin, proprietário da empresa Glória, fala em seu artigo Transporte Coletivo em Curitiba que “(...) o modelo de transporte coletivo de Curitiba é, desde 1987, composto pela gerenciadora, URBS, e pelas operadoras, empresas. Cabe a gerenciadora, URBS, o planejamento do transporte e a remuneração para as empresas que é feito, exclusivamente, por quilômetro rodado. As operadores, empresas, cabe a responsabilidade de repassar diariamente à URBS, integralmente, os valores arrecadados com as tarifas, e operacionalizar o sistema. Entende-se como operacionalizar o sistema, a contratação, remuneração e treinamento de funcionários, compra e manutenção de veículos, e arcar com todas as responsabilidades operacionais, ações trabalhistas, ações cíveis, financiamentos, responsabilidade social, impostos e taxas. (...) O modelo de transporte coletivo de Curitiba é admirado e respeitado no Brasil e fora dele, isto se torna evidente através de inúmeras visitas que as empresas recebem de empresários, órgãos gestores e jornalistas objetivando entender e copiar o sistema de Curitiba. Este sucesso é reconhecido como fruto do trabalho das administrações de Curitiba”.
Ainda, no modelo citado, as rotas são estabelecidas conforme interesse social (e não comercial) e coloca-se um ponto final na eterna discussão sobre o preço da passagem e as concessões que as empresas devem fazer aos estudantes, idosos, portadores de necessidades especiais e outros usuários que recebem benefícios na forma de transporte. Além disso, as empresas podem estabelecer um melhor equilíbrio financeiro, uma vez que os valores recebidos podem ser pré dimensionados, independente do período do ano e do andamento da economia, não havendo, assim, flutuação na arrecadação dos prestadores de serviços.
Considera-se, portanto, o modelo de remuneração por quilômetro rodado como sendo o mais adequado à implementação do Estatuto da Cidade em municípios onde empresas privadas operam o sistema de transporte uma vez que permite maior controle do poder público sobre a qualidade dos serviços prestados, garantindo aos seus cidadãos o direito que é constitucionalmente garantido a todos: o direito ao transporte público acessível e de qualidade.
* Luiz Henrique Dias da Silva é Secretário de Formação Política do PCdoB de Foz do Iguaçu, escritor e estudante de Arquitetura e Urbanismo da UDC de Foz do Iguaçu, Paraná.
Bibliografia
ESTATUTO DA CIDADE. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Federal 10.257/2001.
GULIN, Dante. Transporte Coletivo em Curitiba. Site Setransp. www.empresasdeonibus.com.br .
SILVA, Luiz Henrique Dias. Reforma Urbana: Uma análise sobre a sua importância no Brasil.
ARRUDA, Inácio. Reforma Urbana e Projeto Nacional. Anita Garibaldi, São Paulo, 2008.
IPPUC. Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana de Curitiba. (www.ippuc.org.br)
ESTATUTO DA CIDADE. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Federal 10.257/2001.
GULIN, Dante. Transporte Coletivo em Curitiba. Site Setransp. www.empresasdeonibus.com.br .
SILVA, Luiz Henrique Dias. Reforma Urbana: Uma análise sobre a sua importância no Brasil.
ARRUDA, Inácio. Reforma Urbana e Projeto Nacional. Anita Garibaldi, São Paulo, 2008.
IPPUC. Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana de Curitiba. (www.ippuc.org.br)
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